ninguém pode imaginar o tamanho da saudade que senti
quando meus olhos cruzaram com os teus
naquela tarde quente
e eu de mangas compridas
ninguém é capaz de entender o quanto forte foi o abalo em mim
no meu corpo tão carente do teu
ninguém pode sequer supor o barulho dentro de mim
foi como uma avalanche
naquele exato momento que meus olhos esbarraram nos teus
no meio daquela ponte
que passa sobre aquele rio
sem vida e sem peixes
não, ninguém tem a noção do que foi para mim
quando meus olhos encontraram os teus
no meio daquela gente toda
daquelas mulheres que cantavam e dançavam
bem naquela ponte sobre o rio morto
não, ninguém tem ideia do que foi para mim
aqueles pequenos segundos em que meus olhos rasparam nos teus
olhos que não são mais verdes
são escuros como um vazio
e você tinha olhos verdes tão bonitos
tão bonitos como as águas dos rios cristalinos do cerrado
teus olhos não são mais verdes
não são negros ou castanhos
são escuros como um nada
e foi com esses olhos que os meus tropeçaram naquela tarde quente
mas ninguém vai entender o quanto ardeu em mim
em cada poro
em cada vértebra
ter meus olhos mirando os teus
às vezes nem eu percebo o tamanho da emboscada que foi para mim
ter visto teus olhos naquele dia
eu queria poder te dizer tanta coisa
mas não será possível
nunca mais
meu silêncio é a minha única garantia de sobrevivência
meu afastamento me resguarda e me protege
e o tempo das palavras passou
mas vou te dizer que ninguém
nem você poderia um dia entender
o quão difícil foi chegar ilesa e sã até aqui
até agora
naquela tarde quente
naquela ponte
eu te olhei e ali estavam teus olhos escuros
sem vida
sem peixes
e em mim também um vazio
naquele dia quando meus olhos colidiram com os teus
que não são mais verdes...
foto 'saudade' - Fernando Fiuza