tem dias que morremos
são dias que em um tempo
sem métrica e sem movimento
tudo fica suspenso e preso
num lugar apertado
sem vento
sem luz
onde não cabemos
em muitos desses dias
é nesse lugar exíguo
nessa cova
que surpreendentemente
conseguimos respirar
o ar primário da nossa existência
da nossa singularidade
da nossa urgente humanidade
nesses dias extraordinários
os pulmões encharcados de fôlego
os músculos em expansão
cada molécula insistente, vibra
e revivemos
e não há nada que detenha
que impeça
o vigor desse acontecimento
é intransitivo
é a força espetacular da sobrevivência
é a vida que não cansa
enquanto tem substância
é o mundo todo que em nós
se reconstrói...
le quinze janvier deux mil vingt trois
foto: tela Lygia Clark - Sem titulo - 1952
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