volto-me e vejo o mundo assoberbado de preocupações e febres
nem vulcões são tão quentes quanto essa vida labiríntica que se pratica por aqui
eu tinha resolvido esquecer essas temperaturas, esses aquecimentos globais
pensei em alienar meu olhar e meu pulmão e só viver na perdição do sexo e da paixão
tudo em vão...
eu vejo, estarrecida, pelas telas hiper iluminadas, que transmitem nossas vidas em vários modos coloridos
pelo mundo, país, cidades
em maldades, impunidades, nos levianos acordos
nas multidões, na fome
na exatidão numérica para o desenvolvimento humano
no quanto já destruímos o planeta em percentuais precisos e no cálculo do nosso tempo que nessa era se extingue
escuto discursos ocos, repetitivos e senis
de repente nada mais é atual
e são oratórias complexas, não no conteúdo mas na periferia onde tudo é permitido do estupro à vilania
e nos feudos da democracia, uns capinam nossos jardins, outros plantam leguminosas valiosas e tantos sem ter o que comer
eu que pensava que mais nenhuma dessas casualidades capitalistas podiam ainda me atingir no peito, mas continuo sendo ferida e não há escudo que sirva
e não é indignação
é medo, é terror, é horror
que invadem minha pobre alma avermelhada muito mais antiga e cansada
olho bem de perto as nossas catástrofes cotidianas
quase imperceptíveis a olho nu, aos nossos olhos apressados da sobrevivência
a banalidade é óculos escuros, não temos tempo para colírios
então consumimos devastação, desnutrição, abandonos, genocídios e guerras sem fim
e no final do dia apagamos a luz...
e esse mau vem como vírus, penetra, se instala e depois ataca, ele existe para dizimar...
e da lógica maniqueísta ocidental e eu não quero esse bem e nem esse mau
essa moral não me convém, essa ordem eu não reconheço, é tão violenta...
e não me importa que meu exílio seja a solidão, que tanto temo, pois não sou bicho de toca ou hibernação
para mim a vida carece de reunião, de encontros e alguma festa
volto-me e o que me atinge e me sufoca são os nossos sigilos, os nosso silêncios, a nossa impotência frente as ameaças cotidianas
ou sobrevivemos a qualquer custo ou seguimos em frente sem sonhos, sem poesia, sem arte, que sustenta o que nos é vital
e por todo lado, alguns de nós em preces, outros em fanatismos e tantos de nós em total desespero e não, não temos como parar...
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