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eu não vi o tempo passar

não era assim que a vida pedia não

tinha uma poesia

uma potência mesmo nas coisas esquecidas

não foi a toa que escrevemos nossas viagens em cadernos coloridos

fizemos planos de grandes voos e nos amamos em Berlim


eu tinha cá pra mim

que era amor quando você me tirava pra dançar

e eu que nem sei dançar


esquecer é um troço complicado

não é pra ficar tentando

acontece

e às vezes nem isso


tem dias que os acontecimentos nos distanciam tanto

que parece que não houve nada

e outros dias as saudades entram por dentro da gente

numa violência tamanha que dá vontade de bater na tua porta

e dizer um monte de coisas te olhando no olho

mas que monte de coisa?


acho que ia chorar ao te ver, eu acho

talvez fosse tão emocionante que eu precisasse

de um atestado de capacidade física antes de te encarar


não foi esse o nosso combinado

e você não precisava sair me desabando a vida

nem desmoronando teus fracassos em mim

eu sei sair dos escombros

eu sei viver sem rancor

mesmo afogada nesse abandono


ok, ainda é difícil caminhar sem você

mas eu já estou longe

longe de mais pra entender o que não tem porque


e o que restou de nós?

nada?

isso sim dá uma angústia

um nó no peito

uma desesperança

um vazio


eu pensava ter algo de pra sempre naquilo que pra mim era amor

desde aquele teu eu te amo na cozinha

eu não vi o tempo passar

eu estava muito ocupada sendo feliz ao teu lado


que pena que acabou tão triste o que foi tão bom

o que era grande

o que tinha nome

tinha endereço

tinha tanta vida misturada

que pena que não sobrou nada…


obra Bald Eagle - 1955 - Lee Krasner

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