1
e no frigir dos ovos
cá estou na fronteira
no conflito
não é só risco
é abuso
é cutucar a onça feroz do tal destino
com a mão
porque com vara é para os fracos!
a coisa aqui é raiz
pé no chão
chão de fábrica
e se é pra arrebentar
que seja em seção solene
em quarto de motel barato
cama redonda, espelhos oxidados
e lençóis amarelados de cetim
que seja como um golpe certeiro
'no pain no gain'
e o dia nasce
lá fora um sol de rachar
que mundo quente!
e sobre ela
aquela que não me olha nos olhos
mas me diz coisas
que me atravessam
com a força da sua voz
que corta
ela que me beija a boca
e ali eu entendo tudo da vida toda
numa espécie felicidade tão veloz
que esqueço o tempo
o meu tempo
aí
encosto meu corpo no dela
silêncio
e na fragilidade desse segundo
a eternidade...
2
vem comigo
deixa um pouco essa insolação
esse norte quente e escaldante
tão azul que oprime
tão claro que ofusca
tão bonito que dói
vem comigo
vou te dizer das montanhas
e de tantos verdes
em paletas quase divinas
vem comigo
ver os tangarás e os sabiás laranjeira
que se esbaldam obscenamente
às margens das quedas d'água
que escorrem pelas pedras escorregadias
vem comigo
só um dia
vai ter névoa
noite estrelada
e no frio
eu te abraço
até o quente de mim
eu sei que pode ser tão distante
improvável até
mas ia ser tão bom...
3
'tem gente que quando vai embora
devolve a gente pra gente'
e tem gente que quando chega,
mesmo sem saber,
movimenta tudo que estava ali
estagnado
represado
num ruim danado
e provoca um reboliço tão grande
que a limpeza das más águas
acontece como numa lavagem do Bonfim!
e não falta nada no cenário
nem cor
nem crença
nem música!
muitas vezes nem temos tempo
pros agradecimentos
normalmente elas não esperam...
foto: tela 'viva la vida' - Frida Kahlo - 1954