o tempo tem passado em mim
eu sinto suas ranhuras, suas saliências e falhas
não há como evitar o medo e as centenas de perguntas sem resposta que ele trás
a existência é um mistério cheio de teorias e teologias
e nós vivemos ali no vão entre o profano e a arte
no vazio entre fanáticos de toda sorte e um samba canção
o tempo tem passado por mim e eu não me preparei pra nada, não sei nada
mas meu desejo é tão potente que desorganiza os líquidos que de mim fluem
sangue, lágrimas e a saliva sedenta da tua língua nela
a saudade do teu sexo no meu enche a minha cama de sombras
e sonho com teus olhos semiabertos
verdes, quietos e eu numa outra dimensão
o tempo está agora aqui olhando pra minha cara
e eu só penso nos bicos dos teus seios endurecidos
nas minhas mãos nos teus quadris
e você me querendo tanto até o choro
não, não vou te esquecer
eu só não te quero mais
meu tempo é outro eu sei
e é esse que me transporta pra outra camada e nela você não pode estar
nela sou eu que tem o domínio, a banca e todos os pôr de sol
nela eu sou o norte
o horizonte pra onde convergem os pontos de fuga dos meus desenhos mais coloridos
o tempo tem me exigido forças extras e calma
e por não saber nenhum modo de enfrentar cada segundo irrecuperável
eu vou lá e vivo!
foto: tela 'sonho' - Djanira - 1950
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