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invasora

ela passou rente a porta da minha casa e esbarrou na minha vida

como um desabamento na favela depois de um temporal

devastadora...

eu nem sabia que alguém podia ter essa qualidade e deixar tão perigosamente exposta

 

ela veio encostada no batente da porta da minha casa e invadiu minha vida

como um malfeitor de cinema

eu nem tinha noção que alguém com esse poder pudesse existir fora da ficção

intimidadora…

 

ela e aquele jeito dela de me deixar atônita

naquele estado entre o desfalecimento e o medo de não ter nunca mais como sair dali

prisioneira…

 

ela e aquele jeito dela de me fazer feliz sofrendo até a raiz dos cabelos

implorando que nada daquilo fosse real

me fazendo mal e me amando como um bicho que mimetiza

camaleoa...

 

e eu nem imaginava que ia ser tão feliz no sótão da minha própria casa

sem luz e sem fim

nós e os nossos lençóis sob a cumeeira

perversa…

 

ela tinha escondido entre os lábios alguns sons deliciosos

e uma língua que me sugava

e me mostrava o caminho do bom e do prazer

mundana...

e eu queria assim

devassa, libertina, meretriz

e ela sabia que a cada golpe de suas ancas

ela seria minha ama na minha cama, na alcova da minha casa

serpente…

 

ela era aquela que nem eu trancando a porta da minha casa com mil chaves

poderia tê-la só para mim

ela tinha imensidão e necessidade de partir

ela era o açoite da noite escura

era o amarelo que corta, o fio da faca ao sol

 

eu nem conhecia tantas palavras que pudessem convencer

e nem sabia se queria assim

desesperada…

 

ela entrou pela porta da minha casa num dia em que o sol escaldava minha vida

e eu só sonhava com uma geleira no ártico

 

ela veio e queimou o que restava de mim

veio e quando tudo estava em brasas se deitou sobre mim

e me lambeu inteira

me beijou a boca

me mordeu o pescoço e me disse adeus

 

eu vi quando ela saiu pela porta da minha casa

era madrugada e o céu já estava quase azul

foi como ensurdecer

perder a noção do tempo

coisa que nenhuma loucura dessas da vida pode parecer

dor e alívio

eu nem sabia se ainda podia ou se ainda queria ter forças

mas forças para que?

eu só queria poder levantar e trancar a porta da minha casa...

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