o céu que entrava pela janela, começava entre telhados e águas-furtadas cobertos por telhas de ardósia escurecidas pelo tempo e ia clareando em direção a um quase azul naquele inverno que apenas começava.
se eu desviasse um pouco o olhar podia ver lá no fundo, como num quadro, a torre de ferro encoberta por algumas nuvens.
era tarde, tarde para sair e te procurar nos arredores. você devia estar longe pois levou o manteau preto e a nossa valise marrom.
devia haver alguma maneira de entender a tua partida silenciosa enquanto eu sonhava com amoras e framboesas em um jardim desconhecido.
tudo tão sorrateiro, silencioso e sem qualquer adeus.
talvez não fosse a surpresa do abandono que congelava minh'alma, mas sim o silêncio que ficou de repente em tudo e em mim.
quando finalmente consegui ganhar a rua descobri que o inverno já era longo e rigoroso...
não sei quanto tempo passei, olhando pela janela entreaberta, os telhados seculares e nem sei por quanto tempo me privei de atravessar as pontes, as praças, os jardins dessa linda cidade.
a saudade preencheu meus dias e meu corpo com um gás paralisante...
devia haver algum jeito de entender como pude esquecer teu nome, mas ainda sentir teu gosto na minha boca.
devia haver um motivo para eu ainda sentir teu cheiro nas minhas mãos e não conseguir lembrar teus olhos.
a solidão me deixou assim esquecida numa espécie de hibernação...
daqui onde estou, já posso ver o céu se retocando para receber a nova estação.
vejo os telhados, as águas-furtadas e lá no fundo a torre de ferro agora iluminada por um tímido sol de primavera que apenas começa.
sinal que sobrevivi a todas as avalanches e ao degelo do meu coração.