o céu que entrava pela janela começava entre telhados e águas-furtadas
cobertos por telhas de ardósia escurecidas pelo tempo
e ia clareando em direção a um quase azul naquele inverno que apenas começava
se eu desviasse um pouco o olhar podia ver lá no fundo como num quadro
a torre de ferro encoberta por algumas nuvens
era tarde, tarde para sair e te procurar nos arredores
você devia estar longe pois levou o manteau preto
e a nossa valise marrom
devia haver alguma maneira de entender a tua partida silenciosa
enquanto eu sonhava com amoras e framboesas em um jardim desconhecido
tudo tão sorrateiro
silencioso e sem qualquer adeus
talvez não fosse a surpresa do abandono que congelava minh'alma
mas sim o silêncio que ficou de repente em tudo e em mim
quando finalmente consegui ganhar a rua
descobri que o inverno já era longo e rigoroso
não sei quanto tempo passei olhando pela janela entreaberta os telhados seculares
e nem sei por quanto tempo me privei de atravessar
as pontes, as praças, os jardins dessa linda cidade
a saudade preencheu meus dias e meu corpo com um gás paralisante
devia haver algum jeito de entender como pude esquecer teu nome
mas ainda sentir teu gosto na minha boca
devia haver um motivo para eu ainda sentir teu cheiro nas minhas mãos
e não conseguir lembrar teus olhos
a solidão me deixou assim esquecida numa espécie de hibernação
daqui onde estou já posso ver o céu se retocando para receber a nova estação
vejo os telhados, as águas-furtadas
e lá no fundo a torre de ferro
agora iluminada por um tímido sol de primavera que apenas começa
sinal que sobrevivi a todas as avalanches e ao degelo do meu coração
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