ainda cedo tinha uns raios de sol que entravam pela janela da cozinha.
eu olhava a rua e os manacás floridos, roxo e branco, que tomam as calçadas onde antes havia dúzias centenárias de pau-brasil, aqueles que abateram sem dó numa revitalização onde só havia vida…
alguns fregueses do boteco da esquina, que se juntam cedinho pro café, chamaram de progresso, da mesma forma que olharam orgulhosos pro asfalto impermeável que agora transforma as avenidas em rios caudalosos a qualquer chuvinha mais insistente.
a cidade não teve escolha, nem pensamento que pudesse deter o absurdo.
do outro lado o império verde extasiante da serra, montanhas e rochas que apontam o céu, relevos antigos, bem-acabados e sempre em manutenção - vento, chuva e sol, resistem...
a natureza não para, ela é veloz em suas eras, ela se relê, se reinventa, nos supera sempre e quando decide quando não é mais possível nos mostra sua potência!
mesmo assim seguimos sem qualquer entendimento de nossa inferioridade nesse sistema que não nos pertence, mas que nos contém e a todo custo continuamos a desafiá-lo, entorpecê-lo, envenená-lo.
somos sim, todos nós e sem dúvidas os cegos de Saramago!
imagem - serra dos órgãos
julho 2018