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o que o calor não faz...

quantas foram as vezes que por medo, intolerância ou arrogância

não percebemos aquele outro ali

ali na nossa frente

aquele ali, que de alguma forma por nós foi afetado, mas que mesmo assim, disponível para o encontro, o desfrute da vida com suas belezas e agruras, desprezamos, ignoramos, deletamos, pra usar um termo 'contemporâneo'

triste todos nós que nos voltamos tanto para o nosso dentro e nos acuamos em nossos cantos cheios de arestas onde não há o seguro, nem o certo, mas nos formatamos para o ângulo, quando somos curvas, espirais

ilusão a nossa por armaduras resistentes construídas no desespero de duas mãos

somos seres do convívio, da relação, dos embates e das festas também

e cá estamos a cada dia mais camuflados, escondidos em imagens da superfície, do nosso raso, da nossa vida sem sorrisos largos, sem propósitos que nos permitam melhores amanhãs, salvo o sobreviver a qualquer custo

e assim seguimos

e isso é pra você que ainda me afeta, que me fez pensar que em mim podia ter mais folia, mais alegria

que me fez aumentar o som das músicas que me mostrou

melodias que hoje enchem minha casa de esperança, de possibilidades

e me ajudam a seguir mesmo sem qualquer certeza

sim, ainda quero acreditar que sou viável para a vida e que meus afetos não são em vão...



foto: tela 'o mágico' - Beatriz Milhazes - 2001

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