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rescaldo

 

tinha umas malas sobre o guarda-roupas que eu queria abrir para ter certeza que nada teu ficou aqui. nem aquela calçadeira prateada que você usava quando calçava o teu sapato marrom

 

tinha uns cadernos e umas partituras rasgadas numa gaveta da cômoda que eu queria ler e tocar para saber de verdade que não há qualquer refrão que ainda me queime a garganta ou qualquer letra tua que possa me encher os olhos d’água

 

tinha umas coisas na garagem também, um molho de chaves, martelo e serrote, mas isso eu vou guardar na caixa grande de chocolate suíço que você me deu e aí quem sabe eu até ensaio uns reparos na porta da frente, aquela que você bateu tão forte quando saiu que rachou e você nunca mais voltou

 

tinha uns silêncios que você deixou aqui quando partiu. uns silêncios de beijo na boca e outros de ver televisão. esses eu queria que você tivesse levado. eu precisava ouvir a minha solidão para poder esquecer o som das tuas mãos deslizando no meu corpo

 

tinha umas coisas que eu ainda queria te dizer, te cuspir e até te vomitar. são coisas que dão azia, que me embrulham o estômago, mas depois eu tomava um sal de frutas e rezava para não ter ressaca de você...

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