foi ela que entrou e abriu todas as janelas deixou que essa luz amarela entrasse e iluminasse minha estante empoeirada
ela veio sem dizer uma palavra foi entrando e me enfrentando com um sorriso enorme e com aquele silêncio cheio de brilho de olhar quase todo negro
foi assim que ela foi subindo na minha mesa, se misturando nas minhas folhas brancas de papel, se aproximando da minha boca deslizando a língua no meu rosto me lambendo como uma espécie de felino
foi ela que me fez abrir suas pernas de cetim e me lambuzar entre elas e me atrever a desfrutar da reentrância molhada do seu desejo
foi ela que se deitou sobre meus livros sobre meus poemas - todos pra ela sobre meus lápis-de-cera e que me fez apertar os bicos de seus seios pequenos e morenos até a dor…
sem saber eu entrava em seu castelo sem saber ela agora me aprisionava na masmorra azulada de seu domínio e pra mim não haveria como escapar…
ela veio insaciável e me devorou a alma ela veio invencível e me abateu e eu só queria esse estado de total devoção…
foi ela que sobre minhas palavras se entregou toda pra mim me fez penetrar em seus segredos me mostrou as passagens secretas entre o gozo e seu coração ainda protegido pelo fogo e pelo medo da paixão foi ela que sobre minhas relíquias, meus escritos e suas sedas negras me fez mergulhar num palácio de prata num êxtase com brilho de turmalinas
ela depois que me fez feliz se foi deixou espalhado no ar seu cheiro de jasmim e sua boca carmim pra sempre em mim…
2017
foto: tela 'autorretrato' - Tarsila do Amaral - 1923
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