tenho vontade de te dizer umas coisas
umas verdades minhas que penso de você,
mas que são tão daninhas, tão antigas e capengas
que talvez você não entenda por não se reconhecer nelas
ou talvez você na hora perceba que é a tua vida escancarada
e entre num daqueles mergulhos parafuso de esquadrilha da fumaça
e não haveria paraquedas que desse jeito no tombo
e aí nem sei
nem sei se você arrebentada com essas coisas de verdades de outras eras
ia poder perceber que elas são parte desse teu sofrimento opaco
esse mesmo que você consegue dar brilho e esconder entre os dedos
como se fosse feliz
talvez ali sem saída você pudesse sentir que nessas coisas
estão misturadas também umas infelicidades minhas
e um monte de tempo que eu não tenho mais e umas outras tristezas
que ficam naquela gaveta do que eu não fiz e podia ter feito
se você pudesse também parar de citar teus textos prontos
de encenar uma ficção com a tua vida real
e pudesse viver as dores e os dissabores da existência
como qualquer ser que respira e pensa
talvez você não precisasse mais fingir que não sente, não vê e não sabe
talvez assim de cara com o medo da falta de regra
da ausência das tuas linhas em ângulo, você tão cartesiana e reta
conseguisse sair desse espaço apertado e descolorido
onde você guarda o teu melhor
os sonhos
os vícios
os desejos
as acrobacias no céu em dia de festa
onde você se perde e se encontra
esse teu lugar quieto
onde você apaga a luz e assiste o filme
sempre o mesmo
sempre só...
foto: tela 'luna roja' - Antonio Berni - 1960